Milagres da comunicação

A difusão do conhecimento, de sorte a que as descobertas feitas por mentes privilegiadas atingissem todos os recantos da Terra onde houvesse comunidades humanas, constituiu-se, por milênios, em obstáculo tido, não raro, como intransponível para a evolução material e intelectual da humanidade. Por exemplo, a habilidade para fazer fogo, hoje considerada simplérrima, demorou uma eternidade para se tornar conhecida por todos, assim como o conceito da roda, como a construção de ferramentas originalmente de pedras e, posteriormente de outros metais, e vai por aí afora.

As pessoas que nascem atualmente – e, em certo aspecto, todos os que compõem a minha geração, nascidos pouco antes da metade do século XX – são sumamente privilegiadas nesse aspecto. Conhecimentos primaríssimos, que levaram dezenas de milhares de anos para serem obtidos e difundidos mundo afora, estão ao alcance, hoje, de qualquer criança, que mal aprenda a falar. Vejo como exemplo o meu neto João Vítor que, aos três anos e meio, já sabia ligar o computador e navegar nos sites mais simples da internet. Manipulava o celular com uma familiaridade que eu não sou capaz de igualar nem remotamente. E ele não é nenhuma raridade, nenhum gênio por causa disso. Há milhões de criancinhas, como ele, mundo afora, com essa mesmíssima habilidade.

Imaginem, porém, um mundo sem eletricidade e, portanto, sem rádio, sem televisão e sem computadores. Imaginaram? Avancem em sua imaginação. Pensem como se vivia algum tempo atrás sem telefone fixo (e muito menos celular), sem jornais diários, sem automóveis, caminhões, ônibus, trens, aviões e vai por aí afora. Já imaginaram? Pois nada disso existia há apenas um século e meio!! Desde o seu surgimento, impossível de determinar com exatidão quando ocorreu, a humanidade sobreviveu sem essas maravilhas tecnológicas, sem nenhuma delas, frutos, destaque-se, de descobertas feitas por pessoas de mentes privilegiadas e da difusão dos conhecimentos que lhes permitiram essas façanhas e as de outros tantos.

Querem um exemplo de uma informação primaríssima, que hoje qualquer menininho de quatro ou cinco anos domina – e esse domínio não causa estranheza a ninguém – e que os cientistas e pesquisadores conseguiram descobrir, e provar apenas na primeira metade do século XVI e que assim mesmo muitos demoraram mais cem anos para assimilar? Esta refere-se à esfericidade da Terra. Custou milênios e milênios para que as pessoas “esclarecidas” assimilassem a hoje elementaríssima noção de que o planeta que habitamos era redondo. Não se tinha a menor idéia a respeito da força de gravidade, pela qual um corpo maior atrai todos os menores para o seu centro.
Por essa razão, sempre que alguém ousasse sequer cochichar a hipótese da esferecidade da Terra era tido como completo insano, quando não como sacrílego. Caso bobeasse, tinha a vida suprimida, acusado de heresia. “Como a Terra é redonda?”, indagavam os pseudodoutos senhores do conhecimento, em tom de deboche. “Fosse assim, tudo despencaria no espaço”, afirmavam, como se fosse o suprassumo da lógica e da sabedoria. Tivessem o mais elementar conhecimento da lei física da gravidade, provavelmente a mais poderosa força que rege o universo, entenderiam como isso é possível.

Entenderiam que o espaço não tem altura e nem profundidade e nem mesmo lateralidade. Não existe o em cima, o embaixo e o dos lados. Essa sensação depende de que parte do Planeta estivermos. O que para nós, por exemplo, parece ser a parte superior do firmamento, para nossos antípodas, os japoneses, é a inferior e vice-versa. Se ainda hoje esse conceito é difícil de ser entendido pelo homem dessa época da informação total (ou quase), imaginem para nossos ancestrais! Afirmar, o que hoje é praticamente consensual, há apenas 150 ou 180 anos, era correr o risco de ser internado em um manicômio, como o insano dos insanos, como doido de pedra, quando não coisa muito pior.

Os homens de ciência – e apenas os mais lúcidos e esclarecidos – só se convenceram (ou começaram a se convencer) da esfericidade da Terra depois que o navegador Fernão de Magalhães, a serviço da coroa de Portugal, completou a primeira viagem de circunavegação do planeta. Isso ocorreu em 8 de setembro de 1522. Mas o convencimento não se deu nessa ocasião e nem de uma só vez, instantaneamente. Passaram-se décadas para que os pesquisadores (e apenas os mais lúcidos e racionais) se inteirassem dos detalhes dessa então ousadíssima aventura e se convencessem que a Terra era, mesmo, uma bola, solta no espaço, sem estar apoiada em nada, girando em torno de uma estrela de quinta grandeza, que os antepassados convencionaram chamar de Sol.

Viram como os meios de difusão de informações e conhecimentos são essenciais à humanidade? Claro que, para serem difundidos, têm que ser gerados. Outro fator fundamental é que, quem os gera, conte com extraordinário poder de convencimento, que leve os outros (dificilmente serão todos) a acreditarem na veracidade e na viabilidade do que pensaram ou descobriram.

Muita descoberta, que provavelmente faz tremenda falta hoje, se perdeu no esquecimento, porque as pessoas que delas tomaram conhecimento não acreditaram nelas. Quais? É impossível de determinar. Estou convicto, todavia, até pelo que conheço do comportamento humano (tendo por parâmetro a mim mesmo) que muitas e muitas e muitas descobertas se perderam pelo fato das pessoas não só não acreditarem nelas, mas até as considerarem “coisas do demônio”. Os males que a ignorância, que sempre foi e será perigosa, são terríveis e de conseqüências catastróficas.

Diante das maravilhas proporcionadas pela tecnologia, mormente no século XX, após a invenção de fantásticos meios de captação, conservação e difusão de conhecimentos – eletricidade, telégrafo, telefonia, rádio, televisão, computador, internet etc.etc.etc. – chego à mesmíssima conclusão de determinado escritor, cujo nome me foge, que disse certa feita: “Ou não existem milagres, ou tudo é milagre”. Fico com a segunda opção.





Jornalista, radicado em Campinas, mas nascido em Horizontina, Rio Grande do Sul. Tem carreira iniciada no rádio, em Santo André, no ABC paulista. Escritor, com dois livros publicados e detentor da cadeira de número 14 da Academia Campinense de Letras. Foi agraciado, pela sua obra jornalística, com o título de Cidadão Campineiro, em 1993. É um dos jornalistas mais veteranos ainda em atividade em Campinas. Atualmente faz trabalhos como freelancer, é cronista do PlanetaNews.com e mantém o blog pedrobondaczuk.blogspot.com. Pontepretano de coração e autêntico "rato de biblioteca". Recebeu, em julho de 2006, a Medalha Carlos Gomes, da Câmara Municipal de Campinas, por sua contribuição às artes e à cultura da cidade.

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