Imortalidade

Através das páginas e lembranças sopradas de sua infância e juventude, o italiano Ferdinando Camon constrói o que ele mesmo resume como um "altar de palavras" no romance Imortalidade. Um altar erguido com fervor religioso em memória da mãe, cuja morte o escritor remói com lenta, dolorida e bela delicadeza. Neste contexto, também aflora um passado melancólico sobre o mundo do qual emigrou. Muitas regras para vidas tão simples, onde os filhos se sentiam seguros e aquecidos pela figura materna, que os protegia da pobreza real com mãos fortes e amor. É um libelo ao conteúdo místico da essência familiar e religiosa, tão destroçadas nos dias atuais. Imortalidade, como observa o crítico Gian Carlo Ferretti no posfácio, é parte do chamado "ciclo dos últimos" na obra de Camon, que gira em torno do universo campesino, um mundo de mágica simplicidade e fé acima de qualquer religião, que o escritor conhecera na infância e que se findara com a morte da mãe. Sorridente, trabalhadora e analfabeta, essa figura materna tem conexões com obras-primas como Um coração singelo, de Gustave Flaubert, ou, no cinema, com A vida é bela, de Roberto Benigni. São pessoas dotadas de extraordinárias doses de sabedoria e generosidade que só os simples de alma possuem. Helena, a velha aldeã, mal entende o motivo da guerra que volta e meia faz desfilar homens impacientes e uniformizados por sua distante terra mas, por instinto e humanidade, salva sem pestanejar um estrangeiro de ser capturado. Por esta iniciativa, a mãe é duplamente santificada num altar. O primeiro, logo depois de sua morte, construído a duras penas, com restos de panelas e de forças, pelo companheiro de toda a vida. O filho, escritor como Camon, rememora o ato de veneração do pai com devoção — e nada lhe parece mais justo do que seguir caminho igual, transformando sua própria afeição num altar de palavras, de frases que purificam e levam à redenção. "Quando chegar o momento, quero que esse livro me seja colocado entre as mãos, como um salvo-conduto: eu o escrevi por essa razão, por nenhuma outra."



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