Primeiro Dia do Ano da Peste, O
Não é todo dia que o editor tem a impressão de lhe ter chegado algo que vale a pena defender, algo em que seja interessante investir, tentar furar um certo bloqueio por parte do varejo contra o "primeiro livro de autor nacional". Um livro com este carimbo pode já estar fadado ao insucesso antes mesmo de sair do depósito da editora. Torna-se então necessário buscar em certas reservas aquela dose de idealismo, vamos dizer assim, antimercadológico. E apostar na força do "produto", essa palavra horrível do jargão editorial.
O que me pegou imediatamente ao ler o livro de Francisco Maciel foi o jogo aproximação/distanciamento em relação ao protagonista por meio da estrutura narrativa. Aproximação, pelo viés literário na construção de um personagem escritor onipresente, embora sempre ausente no enredo (com piscadelas bem plantadas a Voltaire, Sartre, Camus, Céline, Poe e outros). Distanciamento, pela denúncia, de quem parece conhecê-lo muito bem, do mundo cão das intermináveis baixadas, sejam elas fluminenses ou outras. Pois ninguém constrói um universo como o de O primeiro dia do ano da peste sem conhecimento de causa. Sem querer abusar da noção de autor implícito, sempre restará a curiosidade de saber quanto Aloísio Cesário há em Francisco Maciel. Mas mesmo neste jogo nunca há banalidade, nunca há previsibilidade. E sempre há uma bala perdida ao virar a esquina.
Como houve quando conheci Maciel em Paraty por ocasião da outorga do primeiro lugar do Prêmio Julia Mann de Literatura (Instituto Goethe / Estação Liberdade, 1997). Por trás do autor do belo conto vencedor, havia um sujeito afável, tímido até, recolhido num canto do saguão da pousada, mergulhado em Nietzsche e Hermann Hesse, talvez já se preparando para a grande incógnita, a viagem de estudos à Alemanha que era uma parte do prêmio. A outra era a publicação do texto laureado: "Já ganhei quatro prêmios literários antes desse, três previam a publicação do texto vencedor, mas isso nunca aconteceu. Será que desta vez vai?" Sim, Maciel, e também o seu primeiro romance. Não ia deixá-lo escapar. Mas não me foi sempre fácil juntar as pontas - impossível estarmos sempre ao abrigo de certas construções -, o Maciel das leituras em Paraty e de um texto de notável ritmo e equilíbrio, e a eterna dificuldade de contatá-lo quando necessário numa modesta pensão sem telefone no Estácio, Rio de Janeiro.
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